Para decifrar essa escrita perversa, o advogado Mandrake - um dos grandes personagens da literatura brasileira contemporânea - lança-se numa frenética aventura pelo lado sombrio da metrópole, enquanto de mão em mão as facas cumprem a sua faina silenciosa e mortal. Por meio de uma narrativa em que se entrelaçam a trama policial, os círculos da alta sociedade, o submundo do crime e o desejo sexual, Rubem Fonseca compõe um grande romance, tão preciso e contundente na sua arte quanto uma aguçada lâmina de aço. «Não era uma ferramenta como as outras. Era feita de material de qualidade superior e o aprendizado do seu ofício muito mais longo e difícil. Para não falar no uso que dela fazia seu portador. Ele conhecia todas as técnicas do utensílio, era capaz de executar as manobras mais difíceis ? a in-quartata, a passata sotto ? com inigualável habilidade, mas usava-o para escrever a letra P, apenas isso, escrever a letra P no rosto de algumas mulheres. A mulher estava deitada ao seu lado falando banalidades. Ele olhou à sua volta. As paredes eram pintadas de verde, como certos hospitais. Havia um toca-discos, coberto por uma capa empoeirada de acrílico, ao lado de uma televisão portátil. Uma lata de talco ordinário estava sobre a cama e ele tocou-a com o pé descalço. Não adiantava imaginar por que fazia aquilo. Era uma perda de tempo especular por que determinadas coisas dão prazer. O P não tinha ressonâncias literárias, nem ele se considerava um psicótico puritano querendo esconjurar a congénita corrupção feminina.»
